secretária de Estado portuguesa dos Negócios Estrangeiros e da Cooperação afirma também não conhecer as propostas feitas a Portugal pelo governo guineense. A ação do Governo da Guiné está a ser bastante criticada.
O ministro da Comunicação Social guineense, Victor Pereira, anunciou, esta sexta-feira (30.06), a suspensão das atividades da RTP, da RDP e da Agência Lusa na Guiné-Bissau, alegando a caducidade do acordo de cooperação no setor da comunicação social assinado entre Lisboa e Bissau, em 1997, relativo à instalação de uma delegação da Rádio e Televisão Pública de Portugal (RTP) no país.
Esta é uma decisão que não agrada Maria Teresa Ribeiro, secretária de Estado portuguesa dos Negócios Estrangeiros e da Cooperação. Afirmando que a "Guiné-Bissau é um país soberano” e que por isso "fará aquilo que entender”, a governante dá conta que este será sempre "um gesto incompreensível”. "Mas com certeza haverá ainda muito que discorrer sobre esse assunto e aguardemos serenamente a decisão que vier a ser tomada”, acrescenta.
O governo guineense afirma ter feito algumas propostas que já estão na posse do executivo português. Teresa Ribeiro afirma não conhecer as propostas. "Não sei se existem e, portanto, aquilo que queremos é ter na Guiné-Bissau a distribuição daqueles serviços numa perspetiva de entendermos que é um contributo para o pluralismo. E a Guiné-Bissau quer-se Estado de Direito, tem uma Constituição que protege a liberdade de expressão e, portanto, não vemos nenhuma razão para o banimento de qualquer serviço português ou de outra nacionalidade que ali esteja a operar”, afirma.
Contactados pela DW, os diretores de programas, tanto da RDP-África, como da RTP-África, evitaram fazer qualquer comentário a propósito, uma vez que, até à altura, não receberam nenhum documento escrito que oficializa a decisão do Governo da Guiné-Bissau. O embaixador do país acreditado em Lisboa, Hélder Vaz, também não se pronuncia, apesar de estar na posse do dossier sobre o Acordo em causa.
Medida de natureza política
Também Sofia Branco, presidente do Sindicato de Jornalistas, evidenciou o facto de estarmos perante "um caso político em que os jornalistas são os principais danos colaterais”. Segundo esta responsável, trata-se de uma decisão dirigida a órgãos de comunicação que "são maioritariamente detidos pelo Estado [Português]" e, nessa qualidade, os jornalistas "são um dano colateral do Estado que se quer atingir, que é Portugal no seu conjunto em termos políticos". Para Sofia Branco, a liberdade "deve estar acima de acordos políticos que as partes vão resolver entre si mais tarde ou mais cedo".
Afirmando que na Guiné-Bissau, "a RTP e a Lusa são órgãos muito conhecidos das pessoas em geral”, a presidente do Sindicato dos Jornalistas frisa o impacto que esta decisão tem não só em Portugal, mas também na Guiné. "Imensas pessoas da Guiné-Bissau a viver aqui querem saber o que se passa no seu país e sabem-no através da Lusa e da RTP, quer versão rádio, quer televisão", explicou.
Já na Guiné-Bissau, Augusto Mário, presidente da Liga Guineense dos Direitos Humanos, classificou como "um grave atentado aos pilares do Estado de Direito" esta decisão do Governo do seu país. Afirmando que o "Governo pretende calar as vozes críticas que possam surgir nos órgãos [de comunicação social] independentes”, o ativista frisa também que esta é uma medida "exclusivamente de natureza política, que não se cruza com os interesses do povo".
Este guineense lembra que a Guiné-Bissau tem "uma forte comunidade na diáspora que via e ouvia as notícias do seu país através de órgãos independentes como a RTP e a Agência Lusa”.
De acordo com Augusto Mário, a Liga Guineense dos Direitos Humanos vai reportar esta situação à Federação Internacional dos Direitos Humanos. Estão ainda a tentar "entrar em contacto com as autoridades guineenses ao mais alto nível, para criar uma plataforma de entendimento que possa fazer o Governo voltar atrás nesta decisão invulgar que afeta muito o interesse público", deu conta este responsável. "Nunca nos poderemos conformar com uma decisão destas, que põe em causa os pilares da democracia", conclui.
Quem também se pronunciou foi Victor Madeira dos Santos, representante da União Europeia (UE) em Bissau, afirmando que este organismo está atento à situação. "Estamos atentos, em contacto uns com os outros [Bissau e Bruxelas] para decidir qual é a atitude a tomar, mas é evidente que isto é para nós uma limitação da liberdade de imprensa e que terá de ser tratada da maneira que merece", afirmou.
Victor Madeira dos Santos acrescenta ainda que a UE está "à espera" da primeira reação do Governo português para depois decidir-se se vai ser criada uma ação conjunta ao nível da UE ou se o Governo português vai continuar em ações bilaterais neste processo.
Tony Tcheka, jornalista guineense, considera também incompreensível a decisão do Governo de Bissau. "O poder de hoje na Guiné-Bissau continua a caminhar no sentido inverso à História”, começa por afirmar, acrescentando que "esta atitude é mais uma a juntar a outras tantas que mostram, de facto, o posicionamento que vai conduzir ao isolamento do país. É uma atitude incompreensível, deplorável, e que na verdade não ajuda a Guiné-Bissau”.
Suspensão com origem no Senegal?
Informações a que a DW teve acesso referem que a pressão para suspender as emissões das estações portuguesas tiveram origem no Senegal. A nossa fonte adianta que as autoridades de Dakar ficaram "muito irritadas com a entrevista coletiva ao líder dos independentistas de Casamansa, onde a RTP África esteve presente, na pessoa da repórter Indira Correia, da delegação guineense”.
Antonieta Rosa Gomes, académica guineense e ex-ministra dos Negócios Estrangeiros, afirma que o que interessa agora "é o diálogo a nível governamental entre os dois países, com os respetivos ministros da Comunicação Social, para ver o que falhou, o porquê e como é que as coisas podem ter uma solução”.
A também especialista no conflito de Casamansa, no Senegal, defende a liberdade da imprensa em abordar assuntos de interesse público como este. "Ao nível oficial pode não interessar às pessoa saberem, mas é um problema que existe. A imprensa, que tem o dever de informar a opinião pública, pode recolher informações para que as pessoas e, sobretudo, os guineenses, saibam o que se passa perto da sua fronteira. Porque essa problemática do conflito de Casamansa é um problema interno do Senegal, mas tem efeitos transfronteiriços para a Guiné-Bissau. Evidentemente que é um conflito que torna a sua fronteira ao norte vulnerável, deve ter interesse que esse conflito seja resolvido. Nada mais do que conhecer, saber que ainda existe para que os próprios poderes também se preocupem com a sua resolução”, afirma.
Guinendade/DW