Na segunda-feira (26.06), o chefe de Estado guineense, José Mário Vaz, admitiu publicamente que se não for encontrada uma solução para o impasse político poderá dissolver o Parlamento e marcar eleições. "Se não conseguirmos chegar a uma solução entre nós, eu, como Presidente da República, devolvo o poder ao seu dono e o dono do poder é o povo", disse num encontro com líderes muçulmanos.
O Presidente deu um prazo até outubro para que os atores políticos cheguem a acordo. "Peço entendimento entre os partidos, sobretudo PAIGC, PRS e Grupo dos 15. Se não há entendimento entre eles é impossível o programa do Governo e o Orçamento Geral de Estado serem aprovados", afirmou.
Quarta-feira (28.06), José Mário Vaz deverá já manter encontros com o presidente do Parlamento, Cipriano Cassama, e com o presidente do Supremo Tribunal de Justiça, Paulo Sanha, segundo apurou o correspondente da DW em Bissau.
Na quinta-feira (29.06) será a vez do Partido Africano para a Independência da Guiné e Cabo Verde (PAIGC), Partido da Renovação Social (PRS) e grupo dos 15 deputados expulsos do PAIGC.
Em entrevista à DW África, o analista Paulo Gorjão sublinha que a Guiné-Bissau tem mesmo de entrar num novo ciclo político, que passa, em primeiro lugar, pela realização de eleições. O dinheiro para avançar com o processo eleitoral nunca foi um problema, acrescenta.
O investigador do Instituto Português de Relações Internacionais e Segurança (IPRIS) também defende que a Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP) volte a ser incluída na mediação da crise, até porque a Comunidade Económica dos Estados da África Ocidental (CEDEAO) teve sempre alguns problemas de posicionamento.
DW África: Convocar eleições antecipadas pode ser a solução para a crise política na Guiné-Bissau?
Paulo Gorjão (PG): Acredito que é o primeiro passo. Aliás, já defendo há muito tempo que as eleições legislativas são uma condição necessária, ainda que não seja suficiente, para se reentrar num processo de estabilidade na Guiné-Bissau. Desde o ano passado, porventura ainda antes disso, tenho vindo a defender que a Guiné-Bissau precisa de entrar num novo ciclo político e esse ciclo político passa precisamente pela renovação da legitimidade do poder legislativo, que foi posto em causa pelo Presidente da República. É uma condição, parece-me que óbvia e necessária, que se renove essa legitimidade, para de algum modo renovar a relação de poder, a relação política entre o Parlamento e o Presidente da República e entre o Parlamento e os cidadãos que representa.
DW África: Acha que esta ideia do Presidente José Mário Vaz de "devolver a palavra ao povo" chega com dois anos e meio de atraso, como afirmou Domingos Simões Pereira, líder do PAIGC?
PG: Sim, estou totalmente de acordo que esta decisão só peca por tardia. O que se fez nestes últimos dois anos na Guiné-Bissau foi perder tempo, basicamente com um argumento que agora o próprio Presidente reconhece que é um argumento fraco, que era a questão de que não se tinha dinheiro. Era óbvio desde sempre que, tendo ou não dinheiro, esse não era o problema. Se houvesse vontade política, o dinheiro certamente surgiria.
O que se fez do ponto de vista político, a meu ver, foi uma enorme infantilidade. Perderam-se aqui dois anos para nada. E obviamente em última instância quem paga esse preço é a população, os mais fracos e desprotegidos. Ainda bem que finalmente temos eleições, que são o início do processo, são um desbloqueador, mas não são o final deste processo. O passo seguinte tem que ver com o próprio Presidente da República. De duas uma: ou o Presidente da República, de algum modo, revê o seu posicionamento e a leitura que faz dos poderes presidenciais ou, então, o segundo passo para a resolução desta crise são também as próprias eleições presidenciais.
DW África: O Presidente da República diz que "há dinheiro para ir a eleições". Na sua opinião, como é que a Guiné-BissDW África: José Mário Vaz também pede entendimento entre os partidos, sobretudo entre PAIGC, PRS e Grupo dos 15 dissidentes. Que resposta se pode esperar dos partidos? Estas declarações do Presidente podem finalmente levar a alguma mudança?
PG: Sobretudo numa altura em que se está a abrir a porta à renovação da legitimidade eleitoral dos partidos políticos, obviamente não há nesta fase particular interesse numa estratégia dialogante ou de cooperação. Estamos numa fase em que os partidos políticos procurarão acentuar as suas divergências, as suas propostas e aquilo que os distingue. Obviamente das eleições emergirá um novo equilíbrio entre o PAIGC e o PRS. E muito possivelmente os dissidentes do PAIGC pura e simplesmente deixarão de fazer parte da equação. A partir daí, dependendo do tipo de equilíbrio que se estabeleça, aí sim poderemos falar em cooperação entre o PRS e o PAIGC. Mas, para já, parece-me extemporâneo.
DW África: Têm surgido muitas críticas à mediação da Comunidade Económica dos Estados da África Ocidental. Há quem diga que a CEDEAO não é a solução para a crise guineense. Concorda?
PG: Concordo, penso que nunca foi. A CEDEAO teve sempre alguns problemas no seu posicionamento por se perceber claramente quem apoiava e quem foi apoiando. Não creio que seja aí que esteja a solução para a Guiné-Bissau. Evidentemente também não estou a dizer ou a defender que a CEDEAO deve ser excluída do processo, pelo contrário. Mas entendo que, do ponto de vista bilateral e multilateral, o apoio à Guiné-Bissau no sentido de estabilizar o país e de se encontrar um entendimento mínimo que permita uma solução com um mínimo de durabilidade tem de se alargar também à própria CPLP, que está há muito excluída de todo este processo. A CEDEAO tem muitas solicitações na sua região, começa a sentir também, de algum modo, alguma fadiga em todo este processo e parece-me que a CPLP tem de reentrar nesta equação, o que infelizmente do ponto de vista político não tem sido possível.
Guinendade/DW
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