Em entrevista à DW África, o jornalista guineense António Nhaga diz que, mesmo após a cimeira da CEDEAO, a única saída para a crise em Bissau é a realização de eleições.
O impasse continua a dominar o cenário político da Guiné-Bissau. Mesmo depois da cimeira da Comunidade Económica dos Estados da África Ocidental (CEDEAO), em Abuja, na Nigéria, que deu um prazo de 30 dias para os atores políticos guineenses aplicarem o Acordo de Conacri, a crise parece não ter evoluído para uma melhora.
Em entrevista à DW África, o diretor-geral do jornal independente O Democrata e bastonário da Ordem dos Jornalistas da Guiné-Bissau, António Nhaga, diz que dificilmente o roteiro proposto pelo Presidente José Mário Vaz – que inclui a reintegração dos 15 deputados do Partido Africano da Independência da Guiné e Cabo Verde (PAIGC) – será cumprido pelos políticos guineenses.
"Parece-me que a saída será mesmo as eleições, a única saída", avalia o jornalista que, entretanto, adverte: outro impasse poderá sair desta opção, "porque o coletivo de partidos democráticos não aceitará que este Governo conduza o processo eleitoral".
Nhaga defende que a comunidade internacional deve pressionar para a convocação de eleições no país.
Confira a íntegra da entrevista:
DW África: Após a cimeira da CEDEAO na Nigéria, na qual a comunidade internacional apelou para o fim do impasse político em Bissau, já há desenvolvimentos no cenário político do país?
António Nhaga (AN): Infelizmente não há nenhum desenvolvimento no país. A situação continua estacionária, o país continua dividido politicamente e institucionalmente. Portanto, não há nenhuma evolução palpável e visível. Mas há um pormenor que pode ser analisado, o facto de uma parte [da comitiva da Guiné-Bissau] ainda estar em Abuja, ainda não voltou. Estou-me a referir ao PAIGC e ao movimento dos partidos políticos que está com o PAIGC. Isto prova que, realmente, não vai haver cumprimento do roteiro que o Presidente apresentou em Abuja.
DW África: O Presidente José Mário Vaz vê como saída para a crise a reintegração no PAIGC dos 15 deputados expulsos, o que, no seu ponto de vista, poderia conduzir à nomeação de um novo primeiro-ministro. Concorda com o Presidente?
AN: Esta é uma visão do Presidente da República, que poderia trazer a saída da questão. Também colocaria a questão de o Domingos Simões Pereira aceitar isto, e o PAIGC aceitar isto, para poder haver a saída da crise. Ou seja, se o PAIGC aceitar reintegrar os 15, digamos, será maioria no Parlamento. Não há humildade. Os interesses do Estado não estão a ser vistos. Estão a ser levados em consideração os interesses pessoais. Portanto, eu não acredito que o PAICG aceitará isto, porque seria uma derrota enorme para Domingos Simões Pereira. O cavalo de batalha do PAICG é, exatamente, não reintegrar os 15, respeitando o estatuto do partido. Parece-me que a saída será mesmo as eleições, a única saída.
DW África: Então a saída dessa crise seria realmente a convocação de novas eleições?
AN: É a única saída que há: convocar novas eleições. Esta é a via que estamos a caminhar. Não há outra alternativa, porque não estou a ver, e nem acredito, que o PAIGC vai aceitar isto [a reintegração dos 15 deputados]. O que interessa agora ao povo da Guiné-Bissau é o processo eleitoral, o que ainda vai se discutir muito, porque o coletivo de partidos democráticos não aceitará que este Governo conduza o processo eleitoral. O PAIGC, como partido que é, com a força que tem, e tem militantes no terreno, poderia ir às eleições sem problemas. O PAIGC reúne todas as condições para fiscalizar o processo eleitoral transparente e independente. Portanto, a não ser que queriam criar obstáculos para isto, o que faria o país perder muito tempo. A Guiné-Bissau está praticamente parada em relação à CPLP, a nível da CEDEAO; não estamos a fazer, rigorosamente, nada.
DW África: Você acha que a convocação de eleições vai acontecer através da pressão internacional, ou isto vai partir dos políticos guineenses?
AN: Eu acho que a comunidade internacional deveria pressionar para irmos a um processo eleitoral. Seria uma boa ajuda à Guiné-Bissau, porque outra saída não estou a ver aqui.
DW África: Depois da cimeira da CEDEAO, foi dado um prazo de 30 dias para a aplicação do Acordo de Conacri e a nomeação de um Governo de consenso que, pelo o que você disse, não deve acontecer. Sanções devem ser aplicadas após esse prazo. Algo que já foi proposto outras vezes. Acha que estas sanções vão resultar?
AN: Não, porque quais são as sanções que vão fazer? Imaginemos que a CEDEAO vai dizer ao Presidente Jomav: "você não vai à cimeira da CEDEAO", "você não vai à CPLP". Essas sanções não terão repercussão nas pessoas. Já houve no país sanções de militares e não tiveram impactos nas pessoas. Esquece-se que estas pessoas são os gestores dos bens públicos da Guiné-Bissau, têm sempre a sua vida resolvida. Portanto, não terá nenhum efeito.
DW África: Falamos do cenário político, agora sobre o cenário social: como os guineenses comuns reagem a esta crise política?
AN: Os guineenses, propriamente, não conseguem compreender a situação da crise, porque o país está divido. A verdade é que quem sofre com a crise é o guineense. O país está parado. O guineense não tem água potável, não tem luz. Mas como há discursos divergentes sobre assuntos como os 15, o PAIGC, o PRS, então o país por se dividir. A população guineense ainda não sabe muito bem onde deve estar.
Guinendade/DW
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