Gana não disputará a Copa do Mundo, após ser uma das seleções mais constantes da África e emendar três Mundiais consecutivos. Em 2014, fez sua campanha mais fraca, marcada pelo motim dos jogadores em relação ao atraso da premiação prometida e cenas surreais quando um helicóptero com o dinheiro pousou na concentração da equipe. Imagens que ganham sentido neste momento. Pois a ausência na Rússia certamente permitiu que o governo local tomasse uma medida drástica nesta quinta-feira. A presidência publicou um comunicado dissolvendo a federação ganesa e suspendendo todas as atividades oficiais do esporte no país. O motivo? A veiculação de um documentário da BBC que mostra a fraude, a corrupção e o suborno arraigados dentro da entidade esportiva. Por isso, a república decidiu fazer uma limpa geral e começar com a associação a partir do zero.
“Observando a amplitude da natureza da podridão envolvendo dirigentes da federação, membros da Autoridade Nacional de Esportes, administradores e árbitros, o governo decidiu tomar passos imediatos para dissolver a federação. O governo irá rapidamente anunciar medidas provisórias para conduzir as atividades futebolísticas no país, até que um novo organismo seja formado. O governo irá comunicar as decisões à CAF e à Fifa, e se unir às duas entidades quanto aos acontecimentos para traçar o futuro do futebol de Gana”, escreveu o governo, em carta assinada pelo Ministro da Informação. O texto ainda fala em “sanitizar” o futebol ganês e garante que a polícia local terá toda a liberdade para agir.
O documentário produzido pela BBC e veiculado nesta semana mostra diversos casos de corrupção no seio do futebol africano. As principais denúncias são contra a federação ganesa, embora elas envolvam membros de outras federações do continente, sobretudo do oeste da África. Entre os personagens, está o queniano Adel Range Marwa, que havia sido pré-selecionado à Copa do Mundo de 2018, embora não tenha feito parte da relação final da Fifa. Ele aparece recebendo US$600 “de presente” de um dirigente ganês, mas nega qualquer ato ilegal.
No caso particular de Gana, há provas de suborno a 66 árbitros, 14 dirigentes da federação e seis membros da entidade que rege os esportes no país. O caso mais grave envolve o próprio presidente da federação. Ele negocia os contratos de patrocínio ao Campeonato Ganês garantindo uma fatia gorda de benefício (de 20 a 25%) aos seus próprios bolsos. A liga nacional não tem patrocínios há três anos, o que atravanca o esporte no país. Obviamente, o conteúdo gerou uma insatisfação popular. E a presidência da república, diante disso, resolveu agir.
O anúncio do governo aconteceu pouco antes da seleção ganesa entrar em campo, em amistoso contra a Islândia. Não foi o episódio que cancelou o compromisso em Reykjavík. Com seus principais jogadores em campo, a equipe ainda conseguiu arrancar um bom resultado. Após sair em desvantagem de dois gols, buscou o empate por 2 a 2. Talvez o último ato de tempos nebulosos que vão acontecer a partir de agora. E, por enquanto, restam muito mais dúvidas do que respostas.
A atitude do governo de Gana vai contra àquilo que a Fifa determina. A interferência estatal nas federações gera suspensões. O ponto é que o futebol já foi suspenso com esta medida do governo ganês, e o ministro admite que a possível punição não é uma preocupação. Caso a colaboração com a CAF e a Fifa, prometidas pelo governo, realmente aconteça, não será surpreendente se a entidade internacional quiser usar o caso ganês como seu “exemplo de ética e transparência no futebol”, indicando os novos tempos depois do chamado Fifagate. É um acontecimento excepcional, que dependerá bastante das atitudes dos principais atores envolvidos neste momento – inclusive os prejudicados, como dirigentes e atletas.
De imediato, todas as competições locais serão paralisadas. Mas há o risco de que isso afete a participação ganesa em competições de base e a realização da Copa Africana de Nações Feminina, que (teoricamente) acontecerá no país em novembro. Além disso, existe uma possibilidade real de que o episódio gere uma bola de neve além das fronteiras. Kwesi Nyantakyi, além de presidente da federação de Gana, é também vice-presidente da CAF e membro do conselho da Fifa. A culpa sobre suas costas poderá desencadear uma série de delações. E, bem, nem sempre as entidades internacionais de futebol se mostraram dispostas em se expor neste ponto, já que o envolvimento da alta cúpula é constante – como ficou evidente no Fifagate. O momento, além do mais, é chave, às portas da escolha da sede da Copa do Mundo de 2026, em evento marcado para a próxima quarta-feira.
A pressão sobre Nyantakyi é enorme. Há um movimento pela renúncia do dirigente. Nesta sexta, membros da dissolvida federação ganesa marcaram uma reunião para definir as atitudes a serem tomadas. E enquanto a intransigência deles pesar, quem perde realmente é o futebol ganês – por mais que o governo também possa agir por interesses, “jogando para torcida” ante um episódio de comoção nacional. Será uma história para se acompanhar de perto. Afinal, pode não se conter apenas a Gana.
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