Os últimos dias têm sido agitados na Guiné-Bissau. Na madrugada de segunda-feira (29.01) a Polícia de Intervenção Rápida bloqueou o acesso à sede do Partido Africano para a Independência da Guiné-Bissau e Cabo Verde (PAIGC) que se preparava para realizar o seu congresso. Na terça-feira (30.01), o secretário nacional do PAIGC, Aly Hijazi, acusou a polícia de ter arrombado e expulsado os militantes que se encontravam na sede do partido.
Esta quarta-feira (31.01) era o prazo limite dado pela Comunidade Económica dos Estados da África Ocidental (CEDEAO) ao Presidente José Mário Vaz para que este nomeasse um novo primeiro-ministro, depois da demissão de Umaro Sissoco. À última hora, o Presidente empossou Artur Silva como primeiro-ministro, o sexto a ocupar o cargo no espaço de três anos. À semelhança do que já tem vindo a suceder no país, a escolha de José Mário Vaz para primeiro-ministro não é consensual - uma das condições para que se cumpra o Acordo de Conacri.
Em entrevista à DW África, o sociólogo guineense Dautarin da Costa afirma que o chefe de Estado deu mais um passo para "a constituição de uma ditadura" na Guiné-Bissau. Questionado sobre José Mário Vaz ter afirmado ser uma prioridade a realização de eleições antecipadas no país, o sociólogo frisou o facto de não existir, atualmente, "uma base de confiança" que permita acreditar que "de facto vá haver uma renovação do contrato social com o povo". Dautarin da Costa prevê agora "um novo capítulo de agravamento" da crise na Guiné-Bissau.
DW África: O Presidente da Guiné-Bissau nomeou um novo primeiro-ministro. Como vê esta nomeação?
Dautarin da Costa (DC): Esta nomeação é o coroar da arbitrariedade, no sentido em que não só não cumpre a Constituição da República como também não se cumpre o Acordo de Conacri. E ao não cumprir nem uma coisa nem outra, e considerando a crise atual do país, começa a ganhar forma uma ditadura centrada no Presidente da República. O Presidente da República elevou-se acima de todas as instituições e chamou a si o poder de delegar quem deverá ser o primeiro-ministro. Isto não tem a ver com a figura que é nomeada, tem a ver com o processo, com procedimentos e instituições. Quando vivemos num país onde as instituições são frágeis, entramos num quadro em que tudo é possível e, neste caso, o Presidente da República colocou o país numa situação em que tudo é possível acontecer. O que nós podemos destacar deste processo é uma ambição concreta e clara de capturar o poder e de implantar aqui um regime absolutista e ditatorial centrado na figura do Presidente da República. E se associarmos este não cumprimento do Acordo de Conacri aos incidentes que têm acontecido na sede do PAIGC percebemos claramente que o que está aqui em curso é um processo de capturar o país. É importante que os guineenses tenham a noção de que as ditaduras não se constroem num só dia e que temos vindo a assistir a um processo que agora está a ganhar forma mais consistente. Se continuar, teremos de facto a institucionalização de um regime ditatorial que nos complicará e muito o futuro, porque será uma amputação abusiva daquilo que foi a a conquista da democracia por este povo.
DW África: É chegada a hora da CEDEAO tomar uma posição?
DC: O que está aqui em causa é a credibilidade de uma organização regional que assume posições nos seus comunicados e que tem agora de ser muito decisiva e assertiva [nas suas ações], porque se não toma a posição que está no comunicado, nomeadamente, de que vai haver sanções se não houver cumprimento do Acordo de Conacri, põe em causa a sua própria credibilidade e perde a possibilidade de mediar outros conflitos que possam surgir. A tomada de posição da CEDEAO não só é importante para a Guiné-Bissau, porque é um reforço e uma proteção da democracia, como também é importante para a própria organização que tem que mostrar uma estrutura consistente sob pena de se esvaziar na superficialidade dos comunicados.
DW África: Na tomada de posse do novo primeiro-ministro, José Mário Vaz afirmou que a sua principal missão será a realização de eleições antecipadas. Será esta uma possível solução para a situação do país?
DC: Colocar o povo na posição de escolher os seus representantes e mandatar novas figuras é importante em termos daquilo que deve ser a renovação do contrato social com o povo, mas não há, na minha perspectiva, uma base de confiança de que de facto vá haver uma renovação do contrato social com o povo. Isto parece-me que é mais uma reinterpretação daquilo que são as regras do jogo para simular a implantação de um regime centrado no Presidente, porque as eleições realizadas nestas circunstâncias dificilmente serão justas, transparentes e livres. Não tenhamos ilusões. Isto deve ser analisado de uma forma mais aprofundada, porque não se trata só de realizar eleições, trata-se de realizar eleições numa determinada circunstância que é completamente adversa àquilo que são os preceitos democráticos e à lógica de salvaguardar que a escolha do povo é realmente a escolha do povo.
DW África: Qual poderá ser, a seu ver, a solução para o país?
DC: Neste momento, o Presidente da República perdeu uma oportunidade soberana de cumprir um Acordo que iria convergir as forças políticas. Perdeu também a oportunidade soberana e, em alternativa ao Acordo, de colocar em funcionamento a nossa lei fundamental - a Constituição da República. Ao perder estas oportunidades tornou o cenário muito complexo. As soluções que poderão surgir poderão não ser efetivamente soluções sustentáveis. Vamos entrar agora num novo capítulo de agravamento da crise, que provavelmente acabará por mobilizar novas negociações e novos formatos em termos de intervenção para tentar reverter esta situação que se vai criar e que terá efeitos imprevisíveis no país.
Guinendade/DW
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