Em mais um momento conturbado na vida da Guiné-Bissau, vários
emigrantes guineenses pedem aos políticos do seu país para que oiçam o
povo e deixem de lado interesses pessoais, quando se assinalam 42 anos
de independência do país. Zandonaide Dantas
Zandonaide Dantas Correia Silva, 32 anos,
vive na Suíça e considera que a mentalidade dos políticos é o maior
problema da Guiné-Bissau. “Eles veem a política como uma forma de ganhar
dinheiro”, diz esta guineense, que teve uma infância marcada pelos
movimentos de libertação da Guiné-Bissau, passou a sua adolescência em
Portugal e chegou clandestinamente à Suíça na década de 1980.
A emigrante, que trabalha numa agência de câmbio e remessas,
considera que o país precisa de uma rutura para avançar e saudou a
recente decisão do Supremo Tribunal de Justiça de considerar
inconstitucional um decreto presidencial a nomear Baciro Djá para
primeiro-ministro não respeitando o resultado das eleições.
O Presidente guineense, José Mário Vaz, destituiu a 12 de agosto
último o então primeiro-ministro, Domingos Simões Pereira, líder do
Partido Africano da Independência da Guiné e Cabo Verde (PAIGC), e
nomeou Baciro Djá para o cargo. Depois da decisão do Supremo, o chefe de
Estado demitiu Baciro Djá e nomeou Carlos Correia para o cargo, por
indicação do PAIGC.
Esta decisão do tribunal acabou por dar mais confiança a Zandonaide
Dantas: “Isso mostra que no mínimo a separação de poderes começa a fazer
algum sentido para alguns guineenses”.
Fidelina Gomes
Também Fidelina Gomes ficou desiludida por mais este episódio de
instabilidade. “Estávamos a contar com que este homem fosse o homem da
situação, mas não foi como esperávamos”, lamenta, referindo-se à
liderança de Domingos Simões Pereira. “Agora está tudo por fazer”, diz a
guineense, que é conselheira municipal de Thônex, em Genebra.
Já Nú Barreto, um artista plástico guineense que nasceu em São
Domingos, no norte da Guiné-Bissau, em 1966, e emigrou para Paris aos 23
anos, considera que o aniversário da independência deve ser “um
instante de reflexão para a classe política” que, na sua opinião, está
na origem de “todos os problemas da Guiné-Bissau”.
“Já são mais do que horas de se tomar em consideração os gritos e os
desejos do povo, o que não foi o caso desde a independência”, defende. O
balanço que o artista faz de 42 anos de independência é de
“inconstâncias, de falta de tudo, de falta de amor à pátria e de falta
de responsabilidade ao mais alto nível”.
Também o músico guineense Sidónio Pais (“Sidó”), de 60 anos, que este
mês começa a gravar o próximo álbum que será lançado em 2016, mostra-se
“muito preocupado e muito dececionado com o que se passa” na
Guiné-Bissau e considerou que “a luta de egos não ajuda a construir a
nação”.
“Nós precisamos de estabilidade para a Guiné-Bissau para conquistar a
confiança financeira, assim como a credibilidade internacional e o
crescimento económico do país. A estabilidade não se constrói com
emoções, mas com paciência e concessões”, defende. Sidónio Pais vive na
região de Paris desde setembro de 1979 e sempre procurou manter a
ligação à sua terra, através dos discos e da atividade militante, tendo
mesmo organizado, em 1998, uma marcha silenciosa diante da UNESCO quando
começou a guerra civil na Guiné-Bissau.
João Into Cabi é outro guineense da diáspora que lamenta a crise no
país de origem, considerando que “os dirigentes escolhidos não respeitam
a vontade do povo” e que o Governo de Domingos Simões Pereira “estava a
trabalhar, dava esperança e tanto o povo como a sociedade civil estavam
com ele”. O fundador da associação Babontie de ajuda aos órfãos
guineenses e autor do livro “Irã Peregrino”, chegou à região de Paris a 8
de agosto de 2012, depois de ter emigrado para Portugal em 2000, onde
se profissionalizou como motorista de pesados.
Para trás, deixou a carreira de professor num liceu em Bissau porque o
salário apenas lhe permitia dar “uma refeição a cada 24 horas à
família”, mas nunca abandonou a escrita e a ambição de dar a conhecer a
Guiné-Bissau no estrangeiro. “Estou preocupado com o futuro da Guiné. O
país estava a caminhar bem. Desde o partido único até ao dia de hoje,
nenhum governo deu tanta esperança ao povo da Guiné como este que caiu
de repente, num quase golpe”, conclui o guineense de 48 anos.
Naldo Monteiro
Apesar de não ter assistido à proclamação da independência da
Guiné-Bissau, Naldo Monteiro, de 32 anos, recorda histórias contadas
pela família e refere que, depois de se tornar um país, “a Guiné ficou
entregue a pessoas com muito menos preparação”.
Hoje, diz este emigrante que trabalha na área de design gráfico, numa
empresa de eventos em Berlim, o país já “ganhou um conjunto de pessoas
muito bem preparadas para aquilo que são os desafios globais dos
próximos tempos”, nomeadamente em áreas como o teatro, música
tradicional, literatura, cinema ou conservação da biodiversidade. A
permanência definitiva na Alemanha “não se coloca” e o regresso à
Guiné-Bissau faz parte dos planos de Naldo. “Chega a uma certa altura e
sentimos que temos de fazer alguma coisa pelo país que nos viu nascer.
Não há que perder tempo”.
Ester Bailo
Ester Bailo, 43 anos, vive em Berlim desde 2013, mas saiu da
Guiné-Bissau há 20 anos em direção a Portugal, onde estudou Gestão de
Empresas. Natural da região do Biombo, Ester estava desempregada em
Portugal e decidiu embarcar numa “aventura” rumo à Alemanha, onde
trabalha num hotel. Nunca mais voltou à terra natal, “nem para férias”,
mas gostava de regressar e trabalhar na Guiné-Bissau, lamentando, no
entanto, as más condições na área da saúde e da educação. “Com tanto
sonho para voltar, mas voltar como? Um país sem saúde, sem nada. É
triste”, justifica. “Temos de sair para o Senegal para ter filhos. Só
sai quem tem condição. Os pobres ficam lá para morrer”, lamenta, no
balanço que faz de mais de 40 anos de independência.
O caminho que a Guiné-Bissau percorreu como país também entristece o
estudante de ciências humanas Beto Infandé, 29 anos, a viver no Brasil
desde o ano passado. “É lamentável um pouco. O caminho de Almícar Cabral
não era só a independência dos portugueses, mas também saber tomar
conta do país depois que eles fossem [embora]. Mas até hoje falta esse
entendimento”, afirmou o estudante da Universidade da Integração
Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira (Unilab), na Baía.
Infandé afirma sentir falta dos familiares, dos amigos, da maior
liberdade e da solidariedade que tinha no seu país, já que, considera,
no Brasil “há preconceitos”. O estudante diz que pretende regressar
assim que concluir os estudos. “O meu maior sonho é voltar e conseguir
dar uma contribuição. Acredito que posso fazer algo pela Guiné [Bissau],
não sei como vai ser, mas temos de acreditar em nós mesmos, e não ficar
reféns de outros países”, afirmou o também presidente da Associação de
Estudantes e Amigos da África. E realçou que a solução para a situação
política da Guiné-Bissau deve sair de um entendimento interno,
construído por guineenses.
Para o modelo Armando Cabral, “é lamentável” o que tem acontecido no
país e que “por vezes parece resultado de uma sabotagem política
propositada.” Este guineense foi para Portugal com os pais ainda criança
e apenas regressou ao país em dezembro do ano passado, com 32 anos,
convidado pelo ex-primeiro-ministro Domingos Simões Pereira, que o
homenageou. Armando começou a trabalhar como modelo em 2001. Foi
recusado três vezes por diferentes agências, mas acabou a trabalhar para
a Louis Vuitton, Calvin Klein, Hugo Boss, Dior, Benetton e H&M.
Hoje, continua a trabalhar como modelo, mas há seis anos lançou a
marca Armando Cabral, que já pode ser encontrada em 13 países, incluindo
China, Estados Unidos e Portugal. Mas em Lisboa, Londres e em Nova
Iorque, onde vive agora, acompanhou sempre a situação da Guiné-Bissau,
através de familiares que tem no país e do pai, que vive em Portugal.
Cabral está confiante no destino do país e deseja um “consenso comum e
estratégico para resolver os problemas do país.” O país “está num bom
caminho. O facto de a crise mais recente ter sido ultrapassada
pacificamente e sem incumprimento da decisão constitucional é um bom
sinal. Agora será preciso uma parceria estratégica e que nenhuma
situação fragilize a recuperação”, considera.
Carlos Monteiro
Também Carlos Monteiro, conhecido como Caló, um guineense de 39 anos
residente em Londres desde 1999, considera que a evolução do país é
“muito vagarosa”, devido à instabilidade. “Podíamos estar a competir com
Cabo Verde, Senegal ou Angola, porque o processo de desenvolvimento
começou antes, mas em 1980 fomos interrompidos com um golpe de Estado e
tem sido assim sucessivamente”, critica.
A recente queda do Governo não abalou o seu otimismo: O caminho é
para a frente, mesmo se dermos um ou dois passos atrás”. Para este
guineense, há uma conjuntura favorável à evolução positiva do país. “Há
forças que obrigam a essa mudança: a juventude está mais interessada na
vida política, estão mais virados para estudar, os investidores
internacionais querem investir no país, mas só se houver estabilidade
política”, explica.
Caló visita o país quando pode e consegue ver mudanças: há mais
universidades e instituições de ensino e mais jovens com vontade de
prosseguir estudos, apesar de serem “escassas” as oportunidades. É esta
instabilidade política e a falta de perspetivas que impedem que este
licenciado em ciência política mas temporariamente a trabalhar como
bibliotecário volte definitivamente. “Gostaria de partilhar o meu
conhecimento e contribuir. É quase como jogar na seleção nacional, quero
levantar a bandeira”, resume.
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