O prémio Nobel da Paz foi hoje atribuído a Denis Mukwege e à ativista de direitos humanos Nadia Murad, pelo trabalho que desenvolvem para "acabar com o uso da violência sexual como arma de guerra", justificou hoje o comité que atribui o Nobel.
Denis Mukwege, com 63 anos, é um médico ginecologista congolês que tem desenvolvido uma ação humanitária na República Democrática do Congo (RDC), onde trata os danos físicos de mulheres que foram violadas por milícias na guerra civil do Congo, chegando a realizar mais de 10 cirurgias por dia.
Hoje, quando soube que tinha sido galardoado em Oslo, Mukwege estava na sala de operações.
"De repente, as pessoas entraram e contaram-me as notícias", disse Mukwege ao jornal norueguês VG, em Bukavu, onde vários jornalistas internacionais se juntaram para obter uma reação.
"Mukwege estava em plena operação quando soube da notícia, mas ele já acabou e está muito feliz, as pessoas estão a comemorar e a gritar com alegria", confirmou um pneumologista sueco presente no local, Ellinor Ädelroth, citado pela agência de notícias sueca TT.
O médico congolês deu uma entrevista à Lusa em julho do ano passado, ao longo da qual criticou a "metástase da violência" na região de Kasai, no centro do país, defendendo que os grupos rebeldes que atuam na RDC devem ser desarmados também no âmbito psicológico.
"Vemos mais e mais mulheres a chegar do centro do país onde antes não havia conflito. Isso é resultado de uma metástase da violência e dos acordos de paz que não se respeitam. Na verdade, é preciso que estes grupos sejam desarmados mentalmente, no plano psicológico, o que não está a ser feito", disse à Lusa.
Com uma feição suave e serena, Mukwege mantém uma rotina agitada no Hospital Panzi do qual é fundador e cirurgião-geral. O hospital localiza-se na comuna de Ibanda, na cidade de Bukavu, capital de Kivu do Sul.
Mesmo após ter sobrevivido a um ataque violento contra a sua família e uma tentativa de assassínio há seis anos, Mukwege dedica grande parte do seu tempo a cuidar dos doentes, a realizar consultas e cirurgias no hospital.
Desde 1999 quando criou o hospital, ele e sua equipa já trataram mais de 50 mil sobreviventes de violência sexual, a maioria mulheres e crianças vítimas do conflito que assola o país há, pelo menos, vinte anos.
Mukwege conversou com a Lusa no gabinete no hospital, depois de uma viagem pela Europa.
"Percebi que o problema não se resolveria no bloco operatório, por isso faço muitas viagens. Eu senti que precisava sair das cirurgias e falar ao mundo do que se está a passar aqui. Um quarto do meu tempo utilizo para informar ao mundo o que acontece aqui, encontrar autoridades para que façam tudo o que puderem para trazer de volta a paz", argumentou.
Os doentes chegam com as mais variadas condições físicas, descreveu, na altura. Desde adolescentes de 14 e 15 anos que dão entrada com feridas na zona vaginal a mulheres que, após terem sido violadas, apresentam infeções geradas por doenças sexualmente transmissíveis e perda de sangue.
Ainda é relevante o grupo de pacientes que apresenta sintomas de Sida e de crianças menores de 5 anos que foram violadas por adultos.
O hospital Panzi oferece tratamento gratuito para os pacientes que não têm condições de pagar.
"É preciso associar o tratamento físico ao psicológico para permitir que as mulheres possam restabelecer-se totalmente", disse.
Entre os prémios recebidos, Mukwege foi distinguido com o Prémio Sakharov 2014 do Parlamento Europeu, galardão que premeia a liberdade de pensamento e a defesa dos direitos humanos.
Um ano antes, recebeu o prémio da Fundação Right Livelihood Awarad 2013, conhecido como o Nobel Alternativo dos Direitos Humanos, pelo seu trabalho com mulheres vítimas de violência sexual.
O médico recebeu ainda o Prémio Gulbenkian em 2015.
Este primeiro prémio Nobel concedido a um congolês criou uma onda de alegria e orgulho nacional no maior país da África subsaariana, com um enorme potencial económico, mas prejudicado por várias crises.
Lusa
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