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quinta-feira, 2 de março de 2017

OPINIÃO: ÁFRICA A ROTA DE TODOS OS TRÁFICOS

Por: CARLOS REIS, jornalista

 A difusão da criminalidade africana, fundada em tráficos ilegais, assumiu grandeza global. As máfias do continente criaram organizações logísticas complexas para o comércio fraudulento de seres humanos, armas, drogas e recursos naturais. Estes grupos estão a transformar as fraquezas dos Estados nas suas próprias forças.


O continente africano, uma das zonas do globo mais instáveis e pobres, reúne um conjunto de Estados na sua maioria frágeis ou até mesmo próximos da falência institucional. O índice «Human Development Report 2007/2008» do UNDP, programa das Nações Unidas para o desenvolvimento, classifica como países mais pobres do mundo a Serra Leoa, Burquina-Faso, Guiné-Bissau, Níger, Mali, Moçambique, República Centro-Africana e Chade. São Estados em que o poder central não desempenha as suas funções provocando um vazio que leva à debilidade das instituições nacionais, afecta a autoridade dos organismos de soberania e contribui para que os serviços públicos não funcionem e as infra-estruturas básicas não se desenvolvam ou se encontrem arruinadas.
Muitos dos Estados africanos garantem deficientemente a segurança aos cidadãos, uma vez que as forças armadas e as polícias se encontram sobredimensionadas, mal equipadas e sem recursos, e constituem frequentemente um factor de instabilidade ao fugirem ao controlo político, o que permite que regiões de numerosos países africanos sejam controladas por milícias e grupos armados. Quando existem conflitos, a autoridade sobre os territórios torna-se ainda mais difícil de exercer propiciando actividades ilegais, desde a extorsão de dinheiro às populações em troca de segurança aos entraves à circulação e trocas comerciais.
Neste contexto, torna-se fácil garantir que agentes de autoridade nas fronteiras assegurem que determinados passageiros e bagagens não sejam revistados ou assegurar a aterragem de aviões e atracagem de navios para cargas e descargas de pessoas e mercadorias num fluxo de tráficos ilegais. Continuadamente, os grupos armados dedicam-se ao contrabando de recursos naturais, armas, drogas e pessoas, numa traficância facilitada pelos débeis controlos fronteiriços. Com as actividades terrestres e marítimas a serem deficientemente fiscalizadas, as transacções ilícitas estão a tornar-se uma crescente ameaça à estabilidade regional e internacional. As estruturas de soberania de numerosos Estados africanos estão a tornar-se assim vulneráveis à expansão do tráfico protagonizado por grupos internacionais de criminalidade organizada. «É uma ameaça que precisa de ser enfrentada rapidamente para conter o crime organizado, a lavagem de dinheiro e a corrupção, e para prevenir o alastramento do uso de drogas no continente africano. Isso pode gerar turbulências sociais em países que já enfrentam tantas outras tragédias», alerta o italiano Antonio Costa, director do UNODC, escritório das Nações Unidas contra drogas e crimes.

Contrabandos

Os países de África estão a registar um forte aumento no tráfico de drogas devido principalmente ao crescimento do fluxo de substância narcóticas entre o continente e a América Latina, assegura o director executivo dos serviços policiais da Interpol, organização internacional da polícia criminal. «A África Ocidental converteu-se num dos pontos de trânsito preferidos dos traficantes que levam a droga da América Latina para a Europa», alerta Jean-Michel Louboutin. «As amplas e pouco vigiadas fronteiras da maioria dos países africanos, unidas à falta de recursos tornam quase impossíveis os reforços efectivos em todos os potenciais pontos de entrada e saída», confirma Saidi Mwema, inspector-geral da polícia da Tanzânia.
De um lado há o crime organizado de grandes grupos estruturados, que costumam ser duradouros, muitas vezes equiparados às corporações transnacionais. Mas também há associações pequenas, flexíveis e transitórias. Os heterogéneos grupos do crime organizado caracterizam-se por se estruturarem de forma dinâmica. Segundo as análises do UNODC, há pelo menos cinco modos que indicam como está organizado o tráfico de drogas numa região ou numa rota: a proporção de apreensões totais que são grandes volumes (indicam acções mais caras, arriscadas e estruturadas), a diversidade de técnicas e rotas utilizadas (mais organização), a nacionalidade dos que são presos em conexão com as apreensões de drogas (mais cidadãos do país em que ocorreu a apreensão mostra, em geral, estruturas de organização menos sólida), diferenças regionais no preço e volatilidade nos países produtores de droga e os níveis de consumo nos países de trânsito que fazem parte das rotas do tráfico.
Desde o domínio quase total dos cartéis colombianos de Cali e Medellín nas décadas de 1980 e 90, o tráfico tem-se convertido e é hoje menos concentrado, mas mais ágil e disperso. No lugar dos cartéis surgiram diversos grupos menores, de mais baixo perfil, os «baby cartels», que existem às centenas. Os chefes deste tráfico são as máfias nigerianas, que estendem seus tentáculos a pelo menos 80 países em todo o mundo.
A conselheira regional do UNODC apela à união de esforços dos países lusófonos para evitar que a costa ocidental da África se torne «um ponto de fluxo livre para a droga». Segundo a brasileira Sandra Valle, a costa ocidental africana está a transformar-se num importante lugar de tráfico, tanto para as rotas de cocaína, quando para as de armas. Por esse motivo, julga fundamental que os membros da CPLP, comunidade de países de língua portuguesa, unam esforços para combater o problema. «A criminalidade extravasa as fronteiras dos Estados. É fundamental não deixar que a impunidade prevaleça na região e que aqueles mares se tornem ponto de fluxo livre para a droga.» Para se combater eficazmente o tráfico de droga e garantir que os traficantes são julgados pelos seus crimes é necessário estabelecer confiança entre as autoridades dos diferentes países para que exista uma cooperação contínua e efectiva no combate aos tráficos. «Só quando se tem um processo bem instruído é que se consegue uma sentença significativa com uma condenação forte para proibir e demonstrar que África não é um continente onde se pode traficar livremente», preconiza Sandra Valle. Neste sentido, a responsável das Nações Unidas sublinha que a Guiné-Bissau é um dos Estados que precisa «de muita ajuda», lembrando que o país «nem sequer dispõe de um sistema prisional». A criminalidade transfronteiriça exige um esforço global conjunto e o reforço da cooperação no domínio jurídico e judiciário para enfrentar estes tráficos ilegais. A cooperação policial e legislativa deve concretizar-se através de instrumentos internacionais e regras uniformes e ratificação de convenções internacionais.

Candongas

O tráfico de seres humanos é o mais recente «business» das redes criminosas que actuam na África Ocidental. As rotas do tráfico de pessoas envolvem o Benim, Costa do Marfim, Gabão, Gana, Mali, Nigéria, Togo, Camarões, Burquina-Faso, Guiné e Níger. São os grupos criminosos nigerianos que administram o tráfico de seres humanos. Esta máfia é capaz de actuar não somente na África Ocidental, mas também na África do Sul e na Europa, onde criaram uma organização logística complexa. Os traficantes ganham de 10 a 20 mil dólares por criança e de 12 a 50 mil dólares por cada mulher vítima do tráfico. As mulheres podem ir para o mercado da prostituição na Europa e as crianças serem enviadas para plantações locais. A OIT, agência das Nações Unidas para o trabalho, estima que, a cada ano, 250 mil crianças são vítimas do tráfico no âmbito da África Ocidental.
Segundo o Parlamento Europeu, até o futebol está a ser usado como mecanismo para o tráfico de seres humanos para a União Europeia e tem como vítimas jovens pobres de África, atraídos por promessas de contratos milionários. A denúncia é baseada em informações da associação Culture Foot Solidaire. «Esses falsos agentes oferecem-se para providenciar transporte e contratos na Europa a adolescentes que crêem que poderão ter bons resultados no futebol europeu e serem vendidos a algum clube por uma boa soma de dinheiro», explica Jean-Claude Mbvoumin, representante da associação. «Muitas equipas europeias admitem receber frequentemente ofertas de traficantes que tentam vender, como se fossem mercadorias, adolescentes de 13, 14 anos.» Para burlar as regras da FIFA, federação internacional das associações de futebol, os agentes mentem sobre a idade do jogador nos documentos oficiais.
Metade dos países africanos encara o tráfico de seres humanos como um problema grave, especialmente no que diz respeito às mulheres e às crianças, revela um relatório do Innocenti Research Centre, centro de investigação da UNICEF. Não existem estimativas fiáveis sobre o verdadeiro número de vítimas do tráfico, mas o número de países que reportam tráfico de crianças é o dobro dos que reportam tráfico de mulheres. «Para pôr fim a este negócio escandaloso, precisamos de dirigentes corajosos que criminalizem o tráfico de crianças em todas as suas formas», alerta Carol Bellamy, directora executiva da UNICEF. Em 34 por cento dos países africanos, o tráfico tem como destino a Europa e em 26 por cento o Médio Oriente e países árabes. As causas do tráfico são muito variadas e diferem de país para país, com o tráfico a ocorrer quando o ambiente que protege a criança entra em colapso devido a factores como conflitos, dificuldades económicas ou práticas discriminatórias. Algumas atitudes e práticas tradicionais como o casamento precoce e a falta de registo de nascimento aumentam ainda mais a vulnerabilidade das crianças e das mulheres. A pobreza pode criar uma situação de desespero para muitas mulheres e crianças, tornando-as alvos fáceis para a manipulação. Outros factores importantes são a exploração sexual e económica, nomeadamente a procura por mão-de-obra barata para trabalho doméstico e agrícola. A procura de crianças-soldados no quadro de conflitos, a procura para adopção ilegal e o tráfico de órgãos têm também algum peso e devem ser objecto de mais investigação, afirma o estudo da UNICEF.

Muambas

Um outro comércio ilegal em África, o tráfico de armas, desenvolveu-se nos anos 1990 para alimentar as guerras na Serra Leoa e na Libéria, e está novamente em crescimento. O fim dos conflitos nestes dois países e a recente crise na Costa do Marfim fez que surgisse um fluxo de armas de países vizinhos da Costa do Marfim. Os ex-combatentes estão a ceder as suas armas aos criminosos locais. Segundo estimativas das Nações Unidas, apenas na Libéria estão em circulação de 80 mil a 100 mil armas ligeiras. Criou-se, assim, um mercado de velhos armamentos presentes há tempos na região, que favorece a instabilidade e o crime.
Outras mercadorias tratadas pelas organizações criminosas são os diamantes, a madeira e os cigarros de contrabando, o petróleo do Delta do Níger e até a borracha das plantações liberianas. Estes verdadeiros furtos de recursos africanos pressupõem cumplicidades internacionais que vão além do continente africano. É urgente promover instrumentos jurídicos internacionais, promover a autenticação de proveniência das matérias-primas africanas e o combate à corrupção e reciclagem de dinheiro sujo, para que os recursos do continente sejam utilizados no desenvolvimento das populações africanas

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